Este Blog é um espaço dedicado à divulgação de textos que refletem sobre a política econômica do país, com seus impactos sobre o direito. Existem duas correntes dentro do Direito Político e Econômico; "A Cidadania Modelando o Estado" e "Os limites jurídicos do Poder Econômico".

sábado, junho 16, 2007

O papel do Estado na estrutura econômica

O papel do Estado na estrutura econômica

Por Claudia Ajaj

O texto constitucional de 1988 autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado sempre com fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica. Dentro da possibilidade de regulação da ordem econômica o texto constitucional estabeleceu em seu art. 149, a competência exclusiva da União para instituir contribuições de intervenção no domínio econômico, cuja naturaza jurídica é tributária[1].
Necessário se faz, para se entender a forma de atuação do Estado, considerar sua atuação em relação ao processo econômico, a noção da atividade econômica considerando-se serviços públicos, ou seja, área de atuação estatal, a atividade econômica área de atuação do setor privado e noção de Direito Econômico.
Questão que merece referência é a expressão intervenção e atuação do Estado, noção de intervenção, nas palavras de Eros Roberto Grau[2], em sentido rigoroso, caracteriza atuação de área de outrem, porém, se usadas as expressões para manifestar o mesmo significado, pouco importará o termo a ser usado, seja o Estado atuando no setor público, seja no setor privado. Intervenção em sentido rigoroso significa, atuação estatal em área de titularidade do setor privado, já atuação estatal, para atuação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto de titularidade do setor privado. Assim, dá-se intervenção como a atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito e atuação estatal no campo da ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo.
Atuação do Estado em sentido estrito, acarreta transformações no direito como por exemplo o regime de contrato. Nas economias capitalistas são protegidos valores como o da propriedade dos bens de produção e da liberdade de contratar, assim, a atuação do Estado sobre o domínio econômico tem impacto sobre o regime jurídico dos contratos.
A ação estatal sobre os contratos tem extrema importância de forma que configura instituto fundamental da economia de mercado, sendo a conformação das relações contratuais conformação do exercício da atividade econômica.
A liberdade contratual, que se decompõe em liberdade de contratar ou abster-se de contratar e em liberdade de configuração interna dos contratos. Pode-se pensar o contrato como resultado de livres consentimentos e estipulação de coisa e preço.
Um dos elementos primordiais à configuração interna do contrato é o preço. Em regime de controle de preços esse elemento é determinado em grande número de casos independente da vontade das partes. Por outro lado, também as condições de validez do contrato e o condicionamento de sua execução depende de ou residem em disposições normativas ou atos administrativos externos à vontade das partes.
Com relação à padronização dos contratos, a experiência demonstrou que sua padronização por uma das partes levava a um inevitável comprometimento da liberdade de contratar daqueles que se colocam em posição adversa na relação contratual à do contratante que detém o poder de padronização. Dessa forma dá-se o surgimentode contratos com cláusulas padronizadas por ato estatal no que a relativização do princípio da liberdade de contratar enquanto liberdade de configuração interna dos contratos, por exemplo os contratos de loteamento, de seguro, as convenções comdominiais, inúmeras fórmulas contratuais praticadas no mercado financeiro.
A ordenação da atividade econômica em âmbito contratual, supõe a definição de normas que alcançam em dois níveis os agentes econômicos: comportamentos a serem assumidos perante a Administração e comportamentos a serem assumidos perante os demais agentes econômicos, assim não apenas as normas que conformam, condicionam e direcionam o exercício da atividade econômica pelos seus agentes, relação do agente econômico com o Estado, mas também as que criam direitos e obrigações atribuíveis aos agentes privados nas relações contratuais, relações dos agentes econômicos entre si.
O princípio da liberdade de conclusão ou de não conclusão de contratos, torna-se sujeito a limitações segundo Larenz[3] classificadas como: limitações imanentes ao próprio instituto contratual e limitações derivadas de princípio de economia dirigida.
Nas limitações imanentes ao próprio instituto contratual encontram-se as obrigações de contratar dos concessionários de serviços públicos e a obrigação de fazô-lo quando a recusa contraria os bons costumes.A obrigação de contratar imposta aos concessionários de serviço público, corolário do princípio inscrito no inciso IV do artigo 175 da Constituiçáo de 1988 decorre da circunstãncia de estarem sujeitos ao dever de fornecer serviço à comunidade.
Quanto às limitações derivadas de princípio de economia dirigida ainda em Larenz, surge no clima da ordenação dos mercados e se distinguem daquelas imanentes ao princípio da liberdade contratual, consubstanciando uma parcial derrogação dele. Essa classificação apresenta ainda a virtude de distinguir hipóteses em que a obrigação de contratar independe de definição legal, limitações imanentes e em que o dever de fazê-lo decorre de expressa previsão do Poder Legislativo, limitações não imanentes.
A atuação estatal ordenadora do processo econômico se manifesta de modo incisivo que não se limita o Estado a simplesmente impor a celebração coativa de contratos mas define como compulsório o próprio exercício da atividade econômica.
A técnica dos contratos coativos não importa jamais a substituição da vontade das partes pela vontade imposta pela lei, o que neles há é tão somente a substituição da vontade de uma das partes pela vontade da lei e não se pode descrever os contratos coativos nestas condições, como inteiramente supressivos das vontades próprias dos contratantes. Neles apenas uma das partes é vinculada cabando a outra optar por contratar ou não contratar. As partes, mesmo no contrato coativo estão entre si relacionadas por vínculo obrigacional, o contrato coativo é ainda contrato, só que nele o particular é alcançado pelo dever de contratar isto é, de assumir obrigação perante terceiro.

Conceitos de serviço público e atividade econômica

Ainda sobre a distinção de intervenção (atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito) e atuação estatal (ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo), pode-se dizer que a Constituição de 1988 aparta ambos, conferindo tratamento peculiar, atividade econômica e serviço público. No artigo 173 enuncia as hipóteses em que é permitida a exploração direta da atividade econômica pelo Estado além de , no § 1° deste mesmo artigo 173 indicar regime jurídico a que se sujeitam empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. No artigo 175 define incumbir ao Poder Público a prestação de serviços públicos além disso o artigo 174 dispõe sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. A necessidade de distinguirmos atividade econômica e serviço público é no quadro da Constituição de 1988 inquestionável.
Inexiste oposição entre atividade econômica e serviço público, pelo contrário, na segunda expressão está subsumida a primeira.
Serviço público é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público, pode-se notar que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão. Assim pode-se afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado.
A determinação dos sentidos que assume a expressão atividade econômica nos artigos 170, 173 e seu § 1° e 174 da Constituição de 1988 pode ser operada. Dessa forma, no art. 173 em seu § 1° a expressão conota atividade econômica em sentido estrito. Indica o texto constitucional no art. 173 caput as hipóteses nas quais é permitida ao Estado a exploração direta da atividade econômica. Trata-se aqui de atuação do Estado, isto é, da União, do Estado-membro e do Município como agente econômico em área de titularidade do setor privado. Assim, a atividade econômica em sentido amplo é território dividido em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica em sentido estrito. As hipóteses indicadas no art. 173 CF são aquelas nas quais é permitida atuação da União, dos Estados-membros e dos Município neste segundo campo.
Na redação do 173 em seu § 1° alterada pela emenda constitucional n. 19/98, a expressão conotava atividade econômica em sentido estrito, determinava ficassem sujeitas ao regime próprio das empresas privadas inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que atuassem no campo da atividade econômica em sentido estrito, o preceito á toda evidência não alcançava empresa pública, sociedade de economia mista e entidades (estatais) que prestassem serviço público.
No concernente ao artigo 173, caput, a expressão atividade econômica conota o gênero e não a espécie, o que afirma o preceito é que toda atividade econômica inclusive a desenvolvida pelo Estado no campo dos serviços públicos deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim, assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social. Nessa circunstância, não resta dúvida de a expressão assumir a conotação de atividade econômica em sentido amplo.

Princípios gerais da atividade econômica

A ordem econômica constitucional nos artigos 170 a 181 CF, com fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos exceto nos casos previstos expressamente em lei . Como salienta Raul Machado Horta

“no enunciado constitucional, há princípios – valores: soberania nacional, propriedade privada, livre concorrência, há princípios que se confundem com intenções: reduções das desigualdades regionais, busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (alterada pela EC n. 6/95); função social da propriedade. Há princípios de ação política: defesa do consumidor, defesa do meio ambiente.”[4]


São princípios gerais da atividade econômica:

- Soberania naciona: repetição do princípio geral da soberania (CF, arts. 1°, I e 4°), com ênfase na área econômica;
- Propriedade privada: corolário dos direitos individuais previstos no art. 5°, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, da Carta Magna;
- Função social da propriedade: corolário da previsão do art. 5°, XXIII, e art. 186, CF.
- Livre concorrência: constitui livre manifestação da liberdade de iniciativa, devendo, inclusive, a lei reprimir o abuso do poder econômico, que visar a dominação dos mercados, eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros (CF, art. 173, § 4°);
- Defesa do consumidor;
- Defesa do meio ambiente: a Constituição Federal trata de forma ampla e defesa do meio ambiente no Título VIII – Da ordem social; capítulo VI (art. 225). Observe-se que, para esse fim, a EC n. 42/03 ampliou a defesa do meio ambiente, prevendo como princípio da ordem econômica a possibilidade de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
- Redução das desigualdades regionais e sociais: constitui também um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3°, III);
- Busca do pleno emprego;
- Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras que tenham sua sede e administração no País: a EC 06/95, alterou a redação dos artigos 170, IX, 176, §1°, revogou o artigo 171, e criou o artigo 246na CF, trazendo novidade em relação ao tratamento das empresas brasileiras. A redação anterior previa como um dos princípios da ordem econômica, o “tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte” . Por sua vez, o art. 171, que trazia as definições dea empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional, foi revogado inexistindo qualquer diferenciação ou benefício nesse sentido inclusive em relação à pesquisa e à lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciaiss de energia hidráulica; em face da alteração da redação originária do art. 176, § 1°, CF, basta que sejam empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.19° ed., São Paulo: Atlas, 2006, p.725.
[2] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 10° ed., São Paulo: Malheiros, 2005. p. 93.
[3] GRAU, Eros Roberto, A Ordem Econômica... Op. Cit. P. 98 apud Derecho de Obligaciones, trad. De Jaime Santos Briz, Ed. Revista de Derecho Privado, Madri, 1958, t. I, pp. 66 e ss.
[4] MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 723 apud HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 296