Este Blog é um espaço dedicado à divulgação de textos que refletem sobre a política econômica do país, com seus impactos sobre o direito. Existem duas correntes dentro do Direito Político e Econômico; "A Cidadania Modelando o Estado" e "Os limites jurídicos do Poder Econômico".

sábado, junho 16, 2007

Direito da Concorrência

DIREITO DA CONCORRÊNCIA: INSTRUMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Rafael Rocha de Macedo[1]

Nos últimos anos o direito da concorrência, ou direito antitruste, tem ocupado lugar de destaque no contexto das políticas públicas. Vários fatores podem ser atribuídos a esse fenômeno decorrente do “triunfo do capitalismo”, dentre os quais destacam-se a globalização e a disseminação em escala mundial da ideologia do livre mercado.
Esse ramo do direito, intimamente relacionado aos conceitos de regulação e limitação poder econômico, origina-se de uma premissa sócio-econômica fundamental, segundo a qual todo agrupamento social, organizado sob a tutela de um poder estatal, que tenha como fundamento a economia de mercado, deve possuir um conjunto de princípios e regras capazes de possibilitar seu funcionamento e garantir um nível mínimo de controle nas relações econômicas[2]. Parte-se do princípio de que o mercado, a despeito de ser uma instituição socioeconômica[3] tipicamente capitalista, apresenta falhas em certas circunstâncias, sendo, portanto, incapaz de se auto-regular em termos absolutos.
O direito da concorrência busca instituir normas a garantir o funcionamento do mercado, proporcionando a alocação eficiente dos recursos e a maximização do bem-estar dos mercados consumidores, repelindo condutas anticoncorrenciais, a exemplo do abuso do poder econômico sob suas variadas formas[4]. Essa política foi incorporada à Constituição Brasileira sob uma ótica desenvolvimentista, que busca sistematizar os dispositivos relativos à configuração jurídica da economia e à atuação do Estado no domínio econômico, voltada para a transformação das estruturas sociais, mediante a instituição de “uma ordem econômica aberta para a construção de uma sociedade de bem-estar”, pautada por uma série de princípios fundamentais.
Este trabalho ocupa-se de analisar e sugerir algumas linhas de investigação e reflexão acerca da defesa da concorrência, assim considerada como ingrediente fundamental do desenvolvimento econômico. Parte-se do princípio que a competição, aliada à eficiência e ao progresso tecnológico inerente, tem impactos diretos na produtividade, implicando em crescimento sustentado.
O tema é oportuno e relevante. Sua análise é feita em momento de reestruturação das leis de concorrência no Brasil, onde o tema “política de desenvolvimento econômico” tem ocupado o centro dos debates nacionais. O contexto internacional é também de relevância. Hoje vários estudiosos da economia defendem uma abordagem do desenvolvimento em concomitância com objetivos socioeconômicos que transcendem a perspectiva de mero funcionamento dos mercados[5], que ao contrário do que afirmam os postulados clássicos, não são perfeitos em regra.
O locus de análise do direito antitruste é o mercado[6], que do ponto de vista da teoria do direito, pode ser visto como um conjunto de instituições socioeconômicas que permite interações constantes entre consumidores e fornecedores, a externar demandas de produtos e serviços. Referido conjunto conforma uma série de questões ou pontos de equilíbrio, que se inter-relacionam e oscilam conforme seu perfil e desempenho.
É bem verdade que o mercado constitui estrutura inerente ao capitalismo, assim sua manutenção é necessária para o funcionamento do sistema que tem por vocação a busca do lucro. Assim, se a manutenção do mercado é objeto tutelado pelo direito da concorrência, que por sua natureza, constitui instrumento de intervenção na economia, está-se diante de um paradoxo aparente: intervenção estatal no mercado para a manutenção da ordem liberal vigente.
A concepção liberal de mercado, como resultante de uma ordem natural espontânea, passível de auto-regulação, sem necessidade de intervenção normativa despreza uma gama de pontos de sensibilidade, também decorrentes do impacto deste na sociedade, a exemplo do meio ambiente, da necessidade da ampliação dos mercados consumidores, do monetarismo, da opinião pública, do desenvolvimento econômico entre outros.
Esta situação demonstra um pretenso “estágio de superação do liberalismo” resultante de pelo menos dois fatores: a constatação de falhas no mercado e a verificação de que a sociedade tem objetivos, não estando propensa a tolerar momentos de escassez proporcionados pelas “falhas do mercado”, como se pode verificar ao longo da história.
As referidas “falhas do mercado” têm sido objeto de estudo de vários pensadores econômicos, dentre os quais destaca-se John Maynard Keynes, que em sua obra “A teoria geral do emprego, dos juros e da moeda”, apontou necessidades de mudanças a fim de preservar o sistema capitalista.
A incapacidade do mercado de resolver suas falhas, implicou na necessidade de elaboração de políticas econômicas de concorrência passíveis de afetar a própria acumulação capitalista. Daniel Goldberg[7] denomina política pública de concorrência, a conjunção de: (i) a prática das autoridades da concorrência e tribunais que, interpretando e aplicando o conjunto de normas vigentes para perseguir determinado objetivo, confere um caráter dinâmico às regras antitruste, (ii) a edição de normas em abstrato que tenham impacto sobre mercados livres ou regulados e (iii) critérios governamentais que pautam a alocação de recursos a uma ou outra prioridade sobre as quais, discricionariamente, pode dispor qualquer autoridade de concorrência.
Neste contexto, o Estado deixa de ser meramente garantidor formal da concorrência mercantil, como pretendia a ordem liberal, para tornar-se implementador de políticas públicas econômicas orientadas à perpetuação das condições de acumulação capitalista.
Em princípio a idéia de regulação pelo Estado, face ao ânimo de acumulação capitalista, vezes até motivado por fatores sociais, pode parecer uma evolução do ponto de vista sociológico, mas não sob o aspecto filosófico. Trata-se meramente de um instrumento de manutenção do capitalismo[8] ou do status quo.
Há uma convergência entre propostas liberais e planificadoras, que, fugindo aos riscos de opção radical pelo livre mercado, procura encontrar a medida certa entre Estado e mercado, assim sendo, o direito da concorrência constitui em uma forma de fazer com que a desregulamentação e a liberalização prevaleçam em um mesmo ambiente econômico.
Neste contexto, a criação de leis legislação antitruste, não é uma questão meramente política, mas uma necessidade sistêmica da econômica liberal[9], que ocorreu em simultaneidade com a globalização econômica e a abertura dos mercados.
Até início dos anos 90, considerável parcela das economias, em especial as dos chamados “países em desenvolvimento” eram fechadas, caracterizadas por um alto grau de intervencionismo e monopólio estatal. A partir de então, por demandas decorrentes da globalização, da política internacional e do capitalismo orientado sob a ótica liberal, iniciou-se um processo de abertura econômica e privatização de empresas estatais.
Na época muitas empresas recém-privatizadas, especialmente as prestadoras de serviços de caráter público, permaneceram monopolistas ou detentoras de excessivo poder de mercado, situação que veio a demandar regulação tanto pelo mercado, quanto por meio de políticas de Estado.
Os grandes conglomerados mundiais, bem como os países desenvolvidos têm defendido a instituição de políticas antitruste em âmbito mundial à medida que estas possibilitam o acesso aos mercados por meio de regras claras de funcionamento[10]. Neste enfoque, os países em desenvolvimento devem instituir referidas normas para beneficiarem-se do processo de globalização[11].
As leis de concorrência têm se demonstrado instrumentos componentes de uma política de desenvolvimento econômico[12]. Ivo Waisberg[13] afirma que a estrutura das leis antitruste para os países em desenvolvimento deve levar em consideração, como um de seus objetivos, o interesse pelo desenvolvimento, e recorda que a referida perspectiva não é a adotada pelos países desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos. Waisberg, cita Fox[14], autor norte americano que aponta a existência tensões entre modelos de antitruste e desenvolvimento:
Historicamente, leis e política antitruste têm estado entre dois paradigmas: defesa da concorrência e pró-eficiência. A aceitação do primeiro minimizou as diferenças entre política de concorrência e interesses de desenvolvimento, tornando possível imaginar a harmonização das regras restritivas de comércio daquelas nações que desejavam promover a competição e aquelas que desejavam limitar a exploração. Por outro lado, o segundo paradigma aguçou as diferenças entro os objetivos de eficiência dos países capitalistas industrializados e os interesses de desenvolvimento dos países em desenvolvimento, tornando a harmonização algo irreal.
(FOX, 1989 apud WAISBERG et al., 2005, p. 25).

Nesta análise, é necessário observar que existem disparidades entre as estruturas institucionais dos países já desenvolvidos e aqueles que não completaram o processo, que, em decorrência de problemas sociais e econômicos, podem conflitar com o objetivo de eficiência da teoria neoclássica da Escola de Chicago. De fato nos países de industrialização tardia, os problemas concorrenciais vão além da eficiência econômica, sendo difícil jogar pelas regras da doutrina do livre mercado. Onde não há educação, saúde pública e dignidade humana, a competição torna-se um fator secundário.[15]
Uma política de concorrência adequada a países em desenvolvimento inclui a adoção de medidas de estímulo da competição, proteção de consumidores e criação de mecanismos de controle de concentração, sem que estes inviabilizem a constituição ou atuação de players com alto poder de mercado dependendo do caso. Entretanto, tais medidas devem ser inseridas em um contexto mais amplo a buscar um equilíbrio definido entre as leis antitruste, de modo a orientar um desenvolvimento econômico fixado a título de políticas públicas, que nas palavras de Maria Paula Dallari Bucci (2002) devem ser vistas como processo ou conjunto de processos que culminam na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definição de interesses públicos reconhecidos pelo direito.
Na busca do referido equilíbrio não se descarta a previsão de que as leis antitruste possuam mecanismos passíveis de flexibilização ou isenção casuística para fins de orientação da política concorrencial para o desenvolvimento econômico, claro que mediante decisões fundamentadas e prazo fixado, na perspectiva de motivos preponderantes para a economia nacional ou para o bem comum.
É evidente que algumas premissas devem ser consideradas no processo de formulação de políticas públicas no direito da concorrência. A principal delas é a ciência de que a economia opera-se em escala global, mas exige enfoque local na implementação das decisões.
Questões como o tamanho do mercado informal, o tamanho da economia, potencial para eficiências, barreiras à entrada, custos de transação, ausência de uma cultura de concorrência e problemas de economia política[16] devem ser consideradas, medidas e pormenorizadas para a adoção de uma política de concorrência equilibrada e eficiente com vistas a buscar o desenvolvimento. Tal análise é necessária porque existem distintos parâmetros de desenvolvimento e de potenciais econômicos que variam de Estado para Estado.

Referências Bibliográficas
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BORK, R. The Antitrust Paradox. New York: Basic Books. 1978.
Citar Bercovici e Eros Grau
FONSECA, João Bosco Leopoldino da, Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2003
FOX, Eleanor. Harnessing the Multinational Corporation to Enhanc eThird World Development -- The Rise and Fall and Future of Antitrust as Regulator, Cardozo: L. Rev, 1989.
GOLDBERG, Daniel Krepel. Poder de compra e política antitruste. 2005. Tese (Doutorado em Direito) – USP, São Paulo, 2005.
GRAU, Eros Roberto, A ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros,2001.
HUBNER, M. M.(1998). Guia para Elaboração de Monografias e Projetos de Dissertação de Mestrado e Doutorado. São Paulo: Pioneira: Mackenzie.
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MASCARO, Allyson Leandro. Crítica da legalidade e do direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2003.
OLIVEIRA, Gesner. Por uma política moderna de defesa da concorrência no Brasil: comentários. Disponível em Acesso em 15 de maio de 2007.
PASUKANIS, Eugeny Bronislanovich. A teoria geral do direito e o marxismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1989.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito da Concorrência: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 2002.
SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2003.
WAISBERG, Ivo. Direito e política da concorrência para os países em desenvolvimento. 2005. Tese (Doutorado em Direito) – PUC-SP, São Paulo, 2005.
[1] Mestrando em Direito Político na Universidade Presbiteriana Mackenzie, advogado em Goiás e São Paulo.
[2] SALOMÃO FILHO, Direito Concorrencial: as estruturas. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.20.
[3] A expressão é de autoria de Rachel Sztajn: “Possível pensar-se em mercados como instituições socioeconômicas; Instituição, do étimo latino instituere, que se traduz por fundar, ordenar, regular, é palavra que denota a intenção de quem a sua de chamar a atenção para uma das funções, talvez a mais relevante, dos mercados: a de ordenar ou regular a troca econômica, tornar eficiente a circulação de bens na economia”. SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2003. p.33.
[4] Calixto Salomão Filho atribui a fixação dos objetivos fundamentais como a mais importante divergência da teoria econômica em matéria antitruste, analisando em sua obra as várias concepções acerca da finalidade do direito da concorrência que oscilam fundamentalmente entre “o bem estar econômico do consumidor” e “a preservação do mercado”. Entre estas diferentes teorias gravitam outros interesses tutelados que variam de acordo com políticas econômicas, sistemas jurídicos e aspectos históricos. Op. cit. p.22.
[5] Tal afirmação permite uma série de reflexões em vários níveis acerca das relações que se estabelecem entre os conceitos de justiça e eficiência, temas que por vezes foram apresentados ora como sinônimos, ora como dicotomias. A interpretação de que “justo é ser eficiente” ou de que “ou é eficiente ou é justo” também geram uma série questionamentos e reflexões de ordem jurídico-filosófica.
[6] Cf. IRTI, Natalino. L’ ordine giuridico del mercato. 3ª ed. Roma: Laterza, 1998.
[7] GOLDBERG, Daniel Krepel. Poder de compra e política antitruste. 2005. Tese (Doutorado em Direito) – USP, São Paulo, 2005.
[8] Neste sentido é interessante a análise do filósofo marxista Eugeny Pasukanis que em sua obra Teoria Geral do Direito e o Marxismo, situa a legalidade na circulação mercantil, vinculando direito e capitalismo: “O próprio Marx salienta que as relações de propriedade, que constituem a camada fundamental e mais profunda da superestrutura jurídica, se encontram em contato tão estreito com a base, que aparecem como sendo as mesmas relações de produção , das quais são a expressão jurídica. O Estado, ou seja, a organização da dominação política de classe, nasce sobre o terreno de relações de produção e de propriedade determinadas. As relações de produção e sua expressão jurídica formam o que Marx denominou, na esteira de Hegel, de a sociedade civil. A superestrutura política e notadamente a vida política estatal oficial são momentos secundários e derivados”. (PASUKANIS, 1989, p.61 )

[9] A criação de leis de concorrência tem sido recomendada pelos países desenvolvidos a países em vias de desenvolvimento, como importante mecanismo para garantir e melhorar as reformas feitas anteriormente (combate à inflação, estabilidade monetária, abertura dos mercados, entre outros), ao mesmo tempo em que a desregulamentação e a liberação do comércio espalharam-se pelo mundo, em especial na década de 90.
[10] Em seminário realizado em 09.06.2006 durante o 1º Seminário de Concorrência da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Gesner de Oliveira afirmou que defesa da concorrência e regulação, constituem fatores cruciais para o desenvolvimento. Segundo ele, a regulação em particular demanda regras claras e estáveis passíveis de atração de investimentos que poderão em tese propiciar um crescimento sustentado.
[11] A adoção de políticas de concorrência tem sido exigência de organismos como o FMI e Banco Mundial para concessão de empréstimos e financiamentos.
[12] A idéia de conjugação entre política de concorrência e desenvolvimento econômico, conforme afirmou Gesner de Oliveira no 1º Seminário de Concorrência da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é passível de gerar duas visões equivocadas: 1) a de que os países em desenvolvimento deveriam replicar “as melhores práticas” dos países desenvolvidos e 2) a de que a defesa da concorrência não é importante para os países desenvolvidos. De qualquer forma, várias evidências sugerem de que a defesa da concorrência aplicada como uma política pública para o desenvolvimento é ainda mais importante aos países que ainda não atingiram o nível de desenvolvimento desejado.
[13] WAISBERG, Ivo. Direito e política da concorrência para os países em desenvolvimento. 2005. Tese (Doutorado em Direito) – PUC-SP, São Paulo, 2005.
[14] FOX, Eleanor. Harnessing the Multinational Corporation to Enhanc eThird World Development -- The Rise and Fall and Future of Antitrust as Regulator, Cardozo: L. Rev, 1989.
[15] Op. cit. p.28.

[16] OLIVEIRA, Gesner. Por uma política moderna de defesa da concorrência no Brasil: comentários. Disponível em Acesso em 15 de maio de 2007.