Este Blog é um espaço dedicado à divulgação de textos que refletem sobre a política econômica do país, com seus impactos sobre o direito. Existem duas correntes dentro do Direito Político e Econômico; "A Cidadania Modelando o Estado" e "Os limites jurídicos do Poder Econômico".

segunda-feira, junho 18, 2007

Responsabilidade Civil Por Ato Lícito

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LÍCITO

Pierre Santos Castro[1]

RESUMO
A responsabilidade civil advém de um conjunto de princípios que incidem da obrigação de reparar. Sua principal função é a reparação do dano, restituindo a vítima ao estado em que se encontrava caso o dano não ocorresse. A reparação civil encontra-se disseminada na legislação e, em síntese, no artigo 186 do Código Civil. A reparação civil ocorre não apenas quando se infringe uma norma, ela também é possível em certos casos como nos atos lícitos, ou seja, atos positivados.
A reparação do dano praticado por ato lícito existe em duas vertentes: de um lado o Direito Público que respeita a estrutura do Estado e de outro o Direito Privado que se dirige ao cidadão. Na responsabilidade civil por ato lícito, em tese, não são pressupostos o dolo nem a culpa, o ato deve ser lícito para ser possível a indenização.
Palavras-chave: Estado.Responsabilidade Civil. Ato lícito.



ABSTRACT
The civil responsibility comes from a set of priciples which are related to the repairing obligation. Its main function is to repair a damage, restituting the victim to the condition in which he/she was if the damage did not occur. The civl repairing is spread in the legislation and in synthesis in the 186 article of the Civil Code. The civil repairing occurs not only when a rule is infringed, it is also possible in some cases such as in the lawful acts, that means, positive acts.
The repairing of a damage practiced by lawful act exists in two fields: from one side there is the Public law that respects the State structure and in the other side there is the Private Law which is guided to the citzen. In the civil responsibility for civil act, in thesis, neither dolo nor guiltness are previouly considered, the act mus be lawful for the damage be possible.
Key words: State. Responsiblility Civil. Lawful
















INTRODUÇÃO


RESPONSABILIDADE CIVÍL POR ATO LÍCITO

A responsabilidade civil advém de um conjunto de princípios, que incidem da obrigação de reparar.
O princípio elementar é o da “MORALIDADE DOS ATOS HUMANOS” Bonum faciendum, malum vitandum (o bem deve ser praticado, o mal evitado).
A maior e principal função da reparação do dano é a de restituir a vítima de dano ao estado em que se estaria se o dano não ocorresse.


DESENVOLVIMENTO

Conforme os ensinamentos do Professor Dr. Milton Paulo de Carvalho[2], podemos dividir a Responsabilidade Civil da seguinte forma: Contratual, extracontratual ou aquiliana e por força de lei


TEORIA GERAL

1 – Fontes da Responsabilidade Civil
São fontes da Responsabilidade Civil, a culpa o risco e a tutela legal (Ato lícito)
2 – Elementos da Responsabilidade Civil
São elementos da responsabilidade civil, a ação ou omissão o nexo causal e o dano
3 – Efeito (reparação) da Responsabilidade Civil
In natura, ou seja, voltar a coisa ao estado que se encontrava antes, ou in Pecúnia, ou seja, em moeda.
(O sistema acima se aplica a todos os atos ilícitos, principalmente ao dano moral).
A parte a que esse trabalho pretende se ater é a princípio a reparação causada por ato lícito, tornar o ato indene, ou seja, tornar o ato indenizado.
Tal obrigação só emerge nos casos previstos em lei. O fundamento dessa obrigação é um ato irreprovável, é a tutela que a lei dispensa a certas pessoas em determinadas hipóteses, reprováveis ou não os atos causadores dos danos.
A responsabilidade não se ocupa apenas na reparação por violação de normas ou deveres com a reposição ao estado anterior, mas compreende também em certos casos, por ato lícito, provindo ou não do exercício da atividade eivada de risco.
A lei concede a certas pessoas a faculdade de praticarem determinados atos, necessários à conservação ou exploração de seus bens.
Porém como podem eles causar prejuízos a terceiros, ao mesmo tempo em que permitem sua realização são, portanto, lícitos, impõe a lei ao agente a obrigação de reparar os danos que eventualmente cause a terceiro.
DIFERENÇA ENTRE RESPONSABILIDADE MORAL E RESPONSABILIDADE JURÍDICA
1) A responsabilidade se aplica à pessoa; a imputabilidade, se aplica ao ato praticado.
2) Para a responsabilidade moral, basta somente a intenção da vontade da prática danosa.
3) Para a responsabilidade jurídica, é necessário o início do ato danoso, ou ato omissivo.
4) A reparação do dano pode ser lícito ou ilícito na sua origem, portanto todo comando jurídico deve ser moral.

RESPONSABILIDADE CIVIL CONCERNENTE AO ESTADO/CIDADÃO
A reparação por ato lícito tem duas vertentes: de um lado o Direito Público que respeita à estrutura do Estado, de outro o Direito Privado que se dirige ao cidadão.
A doutrina é extremamente rica no que se refere à Responsabilidade Civil tendo como figura o Direito Público, porém nem tanto quando se refere ao Direito Privado, provavelmente pelas possibilidades de se aplicar à reparação por ato lícito principalmente contra o Estado.
Vejamos o pensamento do Professor Gustavo Ordoqui Castilha, professor da Faculdade de
Direito da Universidade Nacional do Uruguai, com supedâneo na legislação de seu país;
“A obrigação de compensar, que surge como resposta do ordenamento jurídico ao exercício de uma atividade lícita que causa um dano, se caracteriza por desempenhar uma função consistente em ganhar um equilíbrio que modere ou neutralize o possível incremento de um patrimônio em prejuízo de outro. Ao tutelar-se tanto o exercício do direito como a situação do prejudicado, se busca que, em definitiva, nenhum dos ambos patrimônios resulte diminuição”.[3]

ALGUMAS FORMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL PÚBLICA
Responsabilidade por fato das leis; Responsabilidade por fato dos tratados e acordos internacionais; Responsabilidade por danos emergentes de medidas de aplicação das leis; Responsabilidade por fato dos regulamentos; Responsabilidade por danos resultantes de medidas de direção econômica; Responsabilidade por fato da função jurisdicional.
Dentre as responsabilidades apontadas, a desapropriação é a mais comum a ser usada pela doutrina. A desapropriação é ato lícito desde que motivada pelo Estado, e a motivação sendo lícita, deve prevalecer à vontade da coletividade perante o indivíduo, tornando o ato indenizável. Imaginemos, como exemplo, um proprietário de um terreno em uma determinada região que carece de um hospital. Esse terreno pode ser desapropriado pelo interesse da coletividade, caso realmente haja esse interesse.
A Responsabilidade Civil do Estado por Ato Lícito tem íntima ligação com o Direito Constitucional e Administrativo.
No caso da Desapropriação por Utilidade Pública ou Interesse Social, há também, para a entidade desapropriante, a obrigação de pagar a justa indenização, medida pelo prejuízo que o desapropriado sofre com a perda do direito. O fato gerador do prejuízo (ato jurídico de desapropriação) contém já, como seu elemento integrante, a obrigação de prestar o equivalente e nisso se distingue do denominado confisco de bens. Sendo em certo sentido equiparável a uma venda forçada ou a uma arrematação judicial. Outro exemplo que poderia ser usado seria o das modificações feitas nas vias públicas onde as mesmas podem depreciar os prédios já existentes no local.
Desta forma sendo a obra lícita, o montante pecuniário proporcional à desvalorização do prédio se torna lícito, portanto passível de ressarcimento.
Temos como exemplo o elevado da Avenida São João em São Paulo, que desvalorizou os prédios que o circundam.
A doutrina utiliza bastante o §6° do art. 37 CF para justificar o ressarcimento pelo ato lícito, senão vejamos:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Porém devemos fazer algumas observações em relação a dolo, culpa, ato lícito, ato ilícito e direito de regresso.
Na responsabilidade civil por ato lícito, em tese, não é pressuposto o dolo nem a culpa, o ato deve ser lícito para ser indene.
O artigo citado acima fala em direito de regresso, onde o mesmo se refere ao servidor/agente que culposamente ou dolosamente praticou o ato sancionável.
Portanto, em tese, se a ação dessas pessoas for lícita, não há o que se falar em direito de regresso, pois estariam elas cumprindo estritamente o seu dever legal.
Nesse caso separa-se o ato lícito, do ato ilícito no direito administrativo, pelo direito de regresso.
Sendo o ato ilícito, cabe direito de regresso contra o servidor ou agente, sendo o ato lícito não cabe direito de regresso.
O ato administrativo é a manifestação unilateral do Estado ou alguma entidade que o represente no exercício de suas prerrogativas, buscando, baseado na lei, o atendimento de um fim público: adquirir, modificar, declarar resguardar, transferir, extinguir ou impor obrigações aos administradores.
Encontramos então nos limites dos atos discricionários administrativos, a conectividade entre a responsabilidade civil do Estado e o direito administrativo.
Assim sendo, cabe-nos agora analisar a perfeição, validade e eficácia do ato administrativo, algumas semelhanças e diferenças.
Conforme o Doutrinador Diógenes Gasparini;
“Diz-se perfeito o ato administrativo quando completo ou formado. Vale dizer, quando naturalmente nada lhe falta; quando tem motivo, conteúdo, finalidade, forma, causa e assinatura da autoridade competente. Em suma: Quando o ato existe”.[4]
Celso Antônio Bandeira de Mello, ensina que:
“O ato administrativo é válido quando foi expedido em absoluta conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica. Validade, pois, é a adequação do ato às exigências normativas”[5].
Para o saudoso Professor Hely Lopes Meirelles;
“A eficácia é a idoneidade que se reconhece ao ato administrativo para produzir os seus efeitos específicos. Pressupõe, portanto, a realização de todas as fases e operações necessária, à formação do ato final, segundo o Direito Positivo Vigente”.[6]
Analisando então a perfeição, validade e eficácia do ato administrativo, podemos encontrar comumente atos com desvio de finalidade, em que o seu desvio pode gerar o dever de indenizar.
O desvio de finalidade do ato, mesmo sendo lícito pelo agente administrativo, ao contrário do que foi dito antes, fugindo um pouco da regra, pode gerar o dever de indenizar. Porém aqui a indenização seria uma indenização civil.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o desvio de finalidade também pode ocorrer:
“Quando o agente busca uma finalidade – ainda que de interesse público – alheia à “categoria” do ato que utilizou. Deveras, consoante advertiu o preclaro Seabra Fagundes: “Nada importa que a diferente finalidade com que tenha agido seja moralmente lícita. Mesmo moralizada e justa, o ato será inválido por divergir da orientação legal”.[7]
O ilícito administrativo não tem necessariamente conexão com o ilícito civil. O ilícito administrativo gera uma obrigação, como por exemplo, a exoneração do servidor.
Pode haver um ilícito administrativo e correspondentemente um ilícito civil que é o que gera o dever de indenizar.
Os atos administrativos presumem-se verdadeiros e aptos a produzirem seus efeitos, a partir da data de sua expedição, e assim sendo passa a administração a se responsabilizar pela licitude e/ou ilicitude de seus atos.
Conforme o Professor Fernando Facury Scaff;
“Na doutrina é comum encontrar autores que fazem distinção entre ressarcimento e indenização. Dizem que o termo ressarcimento deve ser empregado quando a atividade administrativa que ensejar a diminuição do patrimônio particular for lícita; e indenização, quando esta atividade for ilícita. Adotam este entendimento, entre outros, Renato Alessi e Yussef Said Cahali.[...] A conseqüência prática desta diferenciação se encontra no montante devido a ser pago ao prejudicado pelo ato danoso. No ressarcimento apenas se cobre a perda econômica ocorrida, havendo compensação de direitos. Já na indenização há um plus, que corresponde a um montante superior a uma compensação de direitos, sendo um verdadeiro pagamento pelo dano causado, alcançando outros itens, tal como o de “lucros cessantes”. [8]
A base de tal teoria firma-se pelo interesse público que conforme a lei e a doutrina dominante deve sobrepor-se ao interesse privado. Sendo assim, o dano lícito pode gerar ressarcimento e o dano ilícito gera indenização.
É estabelecido como princípio cogente nos casos e atos administrativos, direto ou funcional do Estado, dos permissionários e concessionários. Conseqüentemente não há de se negar direitos por falha ou ausência de previsão legal.
Negar hoje a responsabilidade do Estado em face do ato jurídico danoso é fugir da realidade e olvidar evidentes avanços na dogmática jurídica, que a sociedade moderna impõe, posto que o direito é dinâmico, cumprindo-lhe acompanhar a evolução constante das relações sociais e aos seus reclames, se a lei não os acompanha e se anacroniza, cabe ao intérprete adequá-los às novas situações acompanhar o desenvolvimento social, científico cultural, o progresso do homem, de forma que não ocorra nenhum estrago no Estado, ou na sociedade.
Conforme o pensamento de Carlos Pinto Coelho Motta[9], no Brasil, as teorias se dividem em fases:
1) Teoria da irresponsabilidade do Estado (características)
1)Até o século XIX 2) Estados monárquicos e absolutistas 3)Responsabilidade individual do agente público 4)Teoria da intangibilidade do soberano (The king can do no wrong,e, lê roi ne peut mal faire)
Foi adotada pela constituição política do Império do Brasil de 1824 (arts. 99 e 179, inciso XXIX); e constituição de 1891 (art. 82); lei n. 221/1894 (art. 13)
2) Teoria da culpa civil do Estado (características)
1)Estado liberal 2)Atos de império (irresponsabilidade) e atos de gestão (responsabilidade).
Código Civil de 1916, art. 15; decreto n. 24216/34; constituição republicana de 1934 (art.171) e de 1937 (art. 158).
3) Teoria da culpa administrativa do Estado
1) Adoção do direito público como norte da responsabilidade do Estado 2) Caso Agnes Blanco 3) Teoria da culpa anônima ou falta do serviço (Paul Duez e Guy Debeyre) 4) Hipóteses de indenização;retardamento, mau funcionamento ou inexistência do serviço.
Constituição Federal de 1946 (art. 194); Constituição Federal de 1967 (art. 105 e parágrafo único); Emenda n. 1 de 1969 (art. 107 e parágrafo único).
4) Teoria da responsabilidade objetiva do Estado
1) Fase atual 2) A responsabilidade independe de culpa 3) Basta à lesão, sem configuração de excludentes pelo Estado, salvo rara exceção, para caracterizar o dever de indenizar 4) Teoria baseada na solidariedade social.
Constituição Federal de 1988, art. 37, § 6º; Código Civil de 2002, art. 43.”[10]
Assim sendo então, o ato ilícito, tem por sua vez, como atributos caracterizados, a antijuricidade e a culpabilidade, ou seja, traduz a ação ou omissão contra legem intencional (dolo ou culpa).
Desse modo, apenas quando a lei expressamente preveja a possibilidade da responsabilidade objetiva, com fundamento na teoria do risco ou mesmo sem esse fundamento, é que se poderá admitir a indenização do dano decorrente de ato ilícito.
Em outras palavras, isso significa que a lei deverá assumir apenas aquilo que está previsto, e não o que na realidade a sociedade necessita, como progresso, desenvolvimento, pesquisas, evolução da pessoa no geral. No entanto administrativamente deveria cumprir o seu papel que é proporcionar à sociedade à proteção por meios do direito preventivo, administrando corretamente para que não haja dano algum à sociedade.
Cabe lembrar o art. 37 § 6º da CF. que legaliza a indenizabilidade do ato administrativo discricionário praticado com abuso de direito inclusive regressivamente. Senão vejamos
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”. [11]
Quanto ao ato discricionário, vale ressaltar a posição do professor Diogens Gasparini
“Discricionários são os atos administrativos praticados pela Administração Pública conforme um dos comportamentos que a lei prescreve. Assim, cabe à Administração Pública escolher dito comportamento. Essa escolha se faz por critério de conveniência e oportunidade. A hipótese legal incumbe-se de indicar quando é possível essa atuação por meio das expressões: será facultado, poderá o poder público, ou outro da mesma natureza. Ante essa competência, a Administração Pública poderá deferir ou não certo pedido feito, que se lhe permite avaliar a solicitação formulada segundo os referidos critérios e o interesse público do momento”.[12]
Em relação à discricionariedade, cinco interessantes questões podem ser levantadas:
1- O ato discricionário está sujeito a lei?
2- Quais os limites da discricionariedade?
3- Quais os limites da vinculação?
4- O que é o desvio de finalidade?
5- Ato arbitrário é passível de nulidade?
Conforme Carmem Lúcia Antunes Rocha;“Discricionariedade foi, durante muito tempo, o outro nome da arbitrariedade legal. Sacrário intocável onde se resguardava imune, a atuação administrativa incontrolada ou mal controlada”.[13]
O princípio da legalidade norteia o ordenamento jurídico e, como exemplo, a atividade administrativa do Estado.
A competência vinculada e discricionária da administração pública deve levar em conta os critérios de conveniência e oportunidade, porém daqui para a arbitrariedade basta um passo.
O ato discricionário está vinculado à lei, ou seja, a apreciação subjetiva do caso concreto pela administração pública, assim sendo, tem a discricionariedade, como limite, o vinculo com a legalidade.
Conforme ensinamentos do Professor Carlos Pinto Coelho Motta “Evidencia-se que não há, pois, discricionariedade à margem da lei, mas sim em virtude da lei e na medida nela contida”.[14]
Afirma ainda o referido doutrinador que
“A doutrina moderna considera que não há ato essencialmente discricionário, mas ato praticado no exercício de competência discricionária, pelo que resta claro que alguns de seus requisitos serão necessariamente vinculados. Tal cautela se dá, principalmente, para se evitar a prática de atos indesejados, cujo conteúdo e finalidade venham a atender interesse particular daquele que se achar no direito de exercer uma atribuição, ao alvedrio de toda uma coletividade. Diante disso, são manifestamente vinculados: a finalidade (atendimento de um interesse público protegido pela lei), a competência (delimitada pela lei) e a forma (indicada na lei para a satisfação da finalidade pretendida). Ademais destes requisitos, haverá outros que serão fixados em razão da convivência e oportunidade da administração competente. Assim, tem-se que o exercício de qualquer competência discricionária é representado pela conjugação de requisitos legalmente determinados e de outros caracterizados pela apreciação subjetiva do administrador público”.[15]

A discricionariedade pode levar ao desvio de finalidade. A Administração Pública não pode se desnortear e utilizar sua competência para atingir um fim de conveniência privada.
Afirma Motta, que o desvio de finalidade ou
“O desvio de poder é, então, o exercício de uma competência administrativa para fins diversos daqueles fixados pelo ordenamento jurídico. Em regra, tem-se que qualquer ato administrativo estará vinculado ao atendimento de um fim público, mesmo que a ele não se reporte, explicitamente, a norma legal vigente. Não se busca, pois, o endereçamento de um ato a uma finalidade de interesse coletivo, mas sim o atendimento daquela finalidade pública, expressa ou implícita, relacionada com o ato editado”.[16]
Basta então para ocorrer o desvio de finalidade, que o fim alcançado seja diverso daquele fixado pela norma jurídica legal, que tiver atribuído a competência para a prática do ato. Pode ocorrer que mesmo o ato sendo lícito, porém desviado, torne possível a indenização. Podemos observar isso, analisando as palavras do ilustre Professor Min. Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Quando o agente busca uma finalidade – ainda que de interesse público – alheia a “categoria” do ato que utilizou. Deveras, consoante advertiu o preclaro Seabra Fagundes: “Nada importa que a diferente finalidade com que tenha agido seja moralmente lícita. Mesmo moralizada e justa, o ato será inválido por divergir da orientação legal”[17]
Podemos então afirmar conforme o estudado, que o ato administrativo praticado com desvio de finalidade é nulo de pleno direito por não estar em conformidade com a finalidade, a forma e o motivo a que se destina e muito menos com o ordenamento jurídico.
Para o Professor Carlos Pinto Coelho Motta;
“Decretada a nulidade do ato, tem-se que essa retroagirá à data em que o ato maculado foi expedido, não sendo esse passível de convalidação, o que faz com que a ação para se questionar a nulidade absoluta de determinado ato administrativo seja imprescritível, ou seja, passível de invocação e questionamento a qualquer momento”.[18]
A nosso ver, a ação cabível para a validação da nulidade do ato, seria a Ação Declaratória de Inexistência do Ato Administrativo. Porém, diz a doutrina e jurisprudência que somente às infrações gravíssimas caberão a nulidade absoluta do ato administrativo, que poderá ser alegada por qualquer cidadão, por se tratar de norma e de interesse coletivo.
Podemos dizer ainda que a discricionariedade dá certa dose de liberdade para a Administração Pública, porém o problema surge quando a Administração confunde a liberdade com a arbitrariedade.
Deve o Estado responder pelo ato praticado pelo agente da Administração Pública que tenha causado lesão ao direito.
Para a responsabilização do Estado, a doutrina apresenta algumas teorias:
1) TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – Onde a Administração pode demonstrar culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, assim abrindo a possibilidade da não indenização ou uma indenização menor ao possível lesado.
2) TEORIA DO RISCO INTEGRAL – A Administração Pública tem que indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, independentemente da culpa do terceiro.
3) TEORIA DO RISCO INTEGRAL TEMPERADO – Temperado por caber a teoria do risco integral, porém cabe ação regressiva contra o funcionamento da Administração que agir culposa ou dolosamente conforme a CF. art. 37 § 6º.
A posição adotada pelo STF conforme RE 85.079 relator Min. Moreira Alves é o da teoria do risco integral. Porém devemos também fazer referência à prescrição, pois a obrigação de reparar o dano é de natureza civil e a ação tendente a obtê-la é pessoal. Portanto aqui devemos observar as regras de prescrição conforme o Código Civil.

ALGUMAS FORMAS DE RESPONSABILIDADE PRIVADA
1) Lei de Acidentes do Trabalho 2) Código Brasileiro de Aeronáutica 3) Código de Mineração 4) Leis regulamentadoras de seguro obrigatório de veículos 5) Leis de proteção ao Meio Ambiente 6) Código de Defesa do Consumidor.
Um dos casos típicos mais conhecidos do comum dos estudiosos do Direito é o dos atos praticados em estado de necessidade. Constituem atos lícitos, nos termos do inc. II art. 188 do Código Civil, mas podem causar danos a terceiro. Conforme esse mesmo artigo,
Art 188 não constituem atos ilícitos:
I – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.
II – A deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo eminente.
Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.Quando assim suceder, apesar da sua licitude, o ato praticado obriga o agente a indenizar o lesado, salvo se este for culpado da situação de perigo, segundo a doutrina também expressa dos arts. 929 e 930 do mesmo diploma:Art. 929 Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930 No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ou lesado.
Parágrafo único: A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano(art.188, inc.I).
A Responsabilidade Civil por Ato Lícito, quando voltada para o particular, tem intima ligação com a obrigação Propter Rem.
OBRIGAÇÃO PROPTER REN: Em síntese essa é uma espécie de obrigação que desvincula o sujeito ativo da obrigação face ao bem.

Temos como exemplo:

1) Passagem forçada – art. 1285 C.C. 2) Indenização especial pela mesma servidão – 1285 C.C. 3) Indenização pelo escoamento das águas para o prédio inferior – 1289 C.C. 4) Indenização pela servidão eventual de trânsito – 1293 C.C. 5) Alargamento necessário de servidão – 1385 § 3° C.C.

A lei os declara permitidos, sendo então lícitos e passíveis de ressarcimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tal trabalho tem como fulcro demonstrar aspectos da responsabilidade civil, porém em uma vertente diferenciada, procurando mostrar que o ato lícito pode ser indene e acabar com esse estigma, ou conhecimento comum que indenização por ato licito só compete ao Estado.
REFERÊNCIA
AMARANTE, Aparecida. Excludentes de Ilicitude Civil – Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo – 15 – ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo – São Paulo: Saraiva, 1989.
LIBERAl, Márcia Mello Costa de (org.). Um Olhar Sobre Ética e Cidadania – São Paulo: Editora Mackenzie, 2002.
MOTTA, Carlos Pinto Coelho.Curso Pratico de direito Administrativo – Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
NETO, Inácio de Carvalho. Responsabilidade Do Estado Por Atos De Seus Agentes – São Paulo : Atlas, 2000.
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio Constitucional da Igualdade – Belo Horizonte : Lê, 1990.
RT. 726/11 – São Paulo: Abril, 1996.
SCAFF, Fernando Facury. Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista – 2 – ed. Ver. E ampl. –Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – 6ª ed – revista, atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista Dos Tribunais, 2004.



[1] Advogado, professor do ILES-ULBRA – Instituto Luterano de Ensino Superior - Universidade Luterana do Brasil, onde ministra as disciplinas de IEDII-Hermenêutica Jurídica, Direito Civil II – Direito das Obrigações e DPCII- Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela Unitri- Universidade do Triângulo - MG, especialista em Direito Processual Civil pela FMU- Faculdades Metropolitanas Unidas - SP, mestrando pela MACKENZIE – Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP. pierresantoscastro@yahoo.com
[2] LIBERAl, Márcia Mello Costa de (org.). Um Olhar Sobre Ética e Cidadania – São Paulo: Editora Mackenzie, 2002.

[3] Obrigación de compensar daños causados por condutas ilícitas. RT 726/11, S. Paulo, abril/96
[4] GASPARINI, Diógenes. Op cit.,p.66.

[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. Cit., p.354.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit.,p.150.

[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. Cit.,p, 372.

[8] SCAFF, Fernando Facury. Op. Cit., p,149.
[9] MOTTA, Carlos Pinto Coelho.Curso Pratico de direito Administrativo – Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
[10] MOTTA, Carlos P. Coelho. Op. Cit., p218.
[11] CF/1988 art. 37§ 6º.
[12] GASPARINI, Diógenes. Op. Cit., p. 79.
[13] ROCHA, Carmen L. Antunes. Op. Cit. P.84.
[14] MOTTA, Carlos P. Coelho. Op. Cit. P. 67.

[15] MOTTA, Carlos P. Coelho. Op. Cit. P. 67.
[16] MOTTA, Carlos P. Coelho. Op. Cit. P. 73.
[17] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. Cit., p.354.
[18] MOTTA, Carlos P. Coelho. Op. Cit. P. 81.